Monday, January 26, 2009

Cerveja Aprendente

Música e melhoria da aprendizagem:projeto Bolton

Continuo a fazer um registro detalhado de minhas leituras de A Well-Tempered Mind:Using music to help children listen and learn. Em post anterior, prometi que iria elaborar um apanhado do primeiro capítulo. Esqueci-me do Prefácio. Assim, antes de entrar na obra propriamente dita, é preciso dar conta da apresentação feita pelo autor, Peter Perret.

A obra narra a aventura de um quinteto de sopro que foi fazer música numa escola cujos alunos revelavam dificuldades de aprendizagem. Tal aventura musical foi planejada por Peter Perret, maestro da orquestra sinfônica de Winston-Salem, Carolina do Norte. Tudo começou nos primeiros anos da década de 1990 em conversas do maestro com seus músicos. No período letivo de 1994/5, o quinteto começou a concretização do projeto em Bolton, uma escola pública. Os alunos eram crianças do último ano do pré-primário e das três primeiras séries do ensino fundamental. Os resultados foram melhor que o esperado. As crianças que passaram por um currículo apoiado pelas atividades do quinteto revelaram progressos notáveis em linguagem e matemática.

Perret sempre se interessou por estudos no campo da neurociência, particularmente aqueles que investigam relações entre educação musical e funcionamento do cérebro. Há uma ou outra pesquisa que mostra certos ganhos intelectuais resultantes da educação musical. Mas Perret nos aconselha prudência na hora de considerar recentes descobertas no campo do funcionamento do cérebro. Segundo o autor, a paisagem nessa área da ciência vem mudando muito rapidamente. Por isso ainda não é possível afirmar com certeza que áreas do cérebro são afetadas pela música. Um dos problemas encontrado é o de que “os cientistas estão descobrindo que diferentes partes do cérebro estão envolvidas em muitas redes usadas no processamento de diversas ações, percepções e idéias”. Por isso é difícil indicar especificamente onde a música atua. Por outro lado:

... a música pode melhorar a agilidade cognitiva – ou seja, a capacidade de gerenciar informações em conflito e de escolher aquela que se aplica a determinada situação.
É quase certo que o desempenho musical com as demandas de leitura de partituras, de memória, de controle motor, de coordenação, e de expressividade emocional, pode eventualmente preparar as pessoas para uma variedade de funções perceptuais e executivas, levando a uma agilidade e competência cognitiva.


No trecho citado, Perret, coloca uma direção que pode gerar muitas idéias promissoras sobre o papel desempenhado pela música no desenvolvimento de algumas de nossas capacidades intelectuais. A proposta do maestro nada a ver com certa tendência de uso da música em educação com objetivo de amenizar certos conteúdos e tornar a educação mais divertida. Ele propõe algo bem diferente; uma educação musical cujos efeitos melhoram atividades cerebrais que são importantes na apreensão de outros conteúdos.

Em vez de resumir ou comentar outras observações do autor sobre educação, música e cérebro, acho conveniente reproduzir aqui o original.

A aprendizagem multisensorial- ou seja, a aprendizagem por meio do uso de todos os sentidos, o que certamente é parte do que ensinamos [o autor se refere ao projeto Bolton] – usa fontes de informação em conflito e pode fazer com que o cérebro escolha aquela que importa. Articular essas fontes em conflito (ou complementares) deve causar a formação de redes [neuronais] mais amplas e mais ricas. A ciência esta estabelecendo as bases para explicar a experiência do quinteto. Pesquisadores interessados nas artes e em como as crianças aprendem estão encontrando sinais promissores de que melhorias como as descritas neste livro são fisiológicas e não apenas psicológicas. Este livro é apenas o começo.


Importantes líderes no campo da aprendizagem e do cérebro nos sugeriram que outras artes, abordadas de modo a criar interesse por parte das crianças, pode ter o mesmo potencial.


Para encerrar, tento pontuar as idéias-força de Peter Perret:

• A música é um conteúdo importante e indispensável para o desenvolvimento de nossas capacidades intelectuais.
• Aprendizagem musical, bem conduzida e profunda, resulta em melhorias sensíveis na aprendizagem de outros conteúdos.
• A melhoria do desempenho escolar, conforme se observa no projeto Bolton, é um objeto interessante de investigação no campo da neurociência. Os resultados de tais investigações, por sua vez, poderão enriquecer mais ainda a articulação entre a educação musical e outras dimensões do currículo.
• Embora a arte possa ser a sua própria justificativa em termos educacionais, as aprendizagens artísticas podem alavancar outras aprendizagens.

Volto à música. A contribuição de Perret certamente faz muita diferença. Ela apresenta um caminho que pode enriquecer a educação e, ao mesmo tempo, indicar rumos para aprendizagens mais prazerosas.

Saturday, January 24, 2009

Some day we will overcome

Posse do Obama. Confirmação do we can. Isso lembra muita luta na Gringolândia pelos direitos civis. Dá uma vontade danada de cantar de novo We Shall Overcome. Convido você para me acompanhar com o auxílio de Pete Seeger. E na fonte que vou reproduzir aqui, há uma estrofe imperdível, feita especialmente para a marcha de Selma para Montgomery. Cante comigo e Pete Seeger, depois de clicar na flechinha do ícone abaixo:

Friday, January 23, 2009

Música, Educação e Cérebro




Como prometi, começo aqui a comentar, com certo detalhe, a obra A Well-Tempered Mind : Using music to help children listen and learn, de Peter Perret e Janet Fox. O livro aborda a experiência coordenada por Perret, maestro de uma orquestra sinfônica, sobre a introdução de música no espaço escolar. Mas, não se trata de uma experiência qualquer. O maestro, convencido de que música pode fazer diferença na aprendizagem, colocou um quinteto de sopro dentro de uma escola de ensino fundamental cujos alunos tinham notas muito abaixo da média em testes estaduais de desempenho escolar.

O projeto de Perret não se confunde com ensino de música nem com o uso dela para ensinar determinados conteúdos. O quinteto foi à escola para proporcionar às crianças experiências musicais articuladas com temas relevantes do currículo.

Neste post, vou registrar as principais idéias apresentadas na Introdução da obra. Mas antes de entrar no conteúdo, algumas informações são precisas.

Quem faz a Introdução não são os autores, mas o cientista, Frank B. Wood, da Wake Forest University School of Medicine. E há uma razão para isso. Um ano depois de iniciada sua experiência musical na escola, Perret solicitou a acadêmicos de uma faculdade de educação acompanhamento para dar consistência científica ao que o quinteto estava fazendo. Os educadores não se interessaram. O maestro então procurou apoio em outra parte, em departamentos de neurociência. Os cientistas da área viram a experiência com muito interesse. Proporcionaram a Perret o apoio investigativo que ele estava buscando. Por isso, na hora em que o livro estava sendo escrito, o Dr. Frank Wood se prontificou a fazer uma introdução.

A partir daqui, vou elaborar um texto que procura resumir e destacar os principais idéias desenvolvidas por Wood.

Não é fácil determinar a natureza da música, ou os motivos pelos quais qualquer um deve conhecê-la ... A primeira questão é se a música é ou não é parte da educação. (Aristóteles em Política)


Todo mundo sabe que a música é importante. Mas ninguém sabe exatamente por que. E o velho Aristóteles não ignorava isso. Pouca coisa mudou, aliás, nestes vinte quatro séculos que nos separam do grande filósofo grego. Por isso é bom seguir os passos dele. O velho Ari indica caminhos interessantes para começar uma investigação sobre o sentido da música para nossa vida.

É interessante notar que as observações de Aristóteles sobre música estão em sua obra Política, não no Tratado da Alma. Esta última abordava temas que hoje classificamos como psicológicos. O grande gênio grego pensava que a música, mais que uma questão psicológica, é um assunto relativo à educação dos jovens e por isso relacionado com a cidadania responsável. Para ele, o poder da música devia-se a sua capacidade de : relaxar, construir o caráter e cultivar a mente. Par nós hoje essas qualidades parecem não fazer sentido. Mas é preciso entendê-las no contexto da Grécia clássica. Aristóteles vê a música como uma atividade de lazer. Como uma atividade de cultivo da mente.

Música, portanto, não é "trabalho". É atividade prazerosa de apreciação artística. Não precisa ser justificada por qualquer motivo externo. Ela é a sua própria justificativa. Como diz Wood:

Ao contrário da leitura e da escrita, que Aristóteles considera valiosas por causa da vantagem que trazem para a sociedade, uma vez que comunicam conhecimento explícito, a música não logra nada externo nem veicula conteúdo. Ela existe para ser apreciada por si mesma, o que é um benefício intelectual apenas para o indivíduo. Na terminologia aristotélica, a música não é nem útil nem necessária, ela é nobre.

A definição aristotélica realça a música como uma forma capaz de induzir estados mentais correspondentes a certas emoções. Não é preciso dizer se uma produção musical é triste ou alegre, ou se corresponde a outras emoções humanas. Sem necessidade de qualquer palavra ou explicação há uma trama entre a natureza de uma melodia e o estado mental que ela provoca. Essa característica é muito interessante no campo da neurociência, pois a música permite investigar estados mentais que dispensam conteúdo ou explicação prévia. Em Aristóteles a música é entendida como forma, como contorno mental das coisas.

A noção de forma proposta por Aristóteles é importante porque corresponde ao que hoje estamos chamando de competências cognitivas. E como não tem um conteúdo externo a carregar, a música é pura forma. Em termos educacionais, a hipótese a ser explorada é a de utilizar tais puras formas como capacidades mais gerais que podem apoiar aprendizagens em outras áreas. Em outras palavras, pessoas mais musicais talvez tenham facilidade para aprender determinados conteúdos que precisam ser acomodados em formas já dominadas "musicalmente" [essa possibilidade é explorada na experiência inspirada por Perret, e os dados mostram que os alunos que passaram pelo projeto melhoram consideravelmente seus desempenhos em inglês e matemática].

A sugestão do filósofo grego mostra um caminho para os estudos científicos no campo da neurociência. O começo da história não é necessário entender como as crianças aprendem música. Vale a pena utilizar aqui textualmente as palavras de Wood:

A essência da música, como forma sem conteúdo, é filosoficamente interessante, e ela fornece uma avenida promissora de pesquisa na neurociência cognitiva. Como as formas são registradas no cérebro, e como os estados emocionais ou mentais podem ser induzidos por tais formas, é uma uma questão muito boa que as ciências podem investigar de modo consequente, com bons resultados. É, porém, na educação que nós podemos estudar tal questão de modo mais promissor. Aqui já não falamos de cérebro mas de como uma dada experiência musical da criança influencia seu crescimento intelectual e desempenho escolar. Se Aristóteles estiver certo de que a música é sobretudo uma questão educacional, então o progresso mais rápido na neurociência cognitiva da música vai depender de estudos sobre aprendizagens das crianças. A maneira como a música "opera" na sala de aula, e os resultados que produz, terá muito que nos ensinar como a música "opera" no cérebro.


As discussões sobre aprendizagem e música acontecem dentro de duas diferentes molduras teóricas. Uma sugere que, assim como a linguagem, a música é uma capacidade "instintiva". Ou seja, desde o nascimento, nosso cérebro já tem qualidades que nos pré-dispõem para a música. Outra sugere que a música é consequência da aplicação de capacidades gerais e abstratas de nosso cérebro usadas também para resolver outros problemas. Embora ainda não existam dados suficientes para apoiar em definitivo uma ou outra alternativa, já se sabe que algumas capacidades linguísticas "inatas" guardam relação com algumas capacidades musicais.

Não importa muito qual das duas molduras se revelará mais consistente do ponto de vista científico. O que importa é que já há dados indicando que contato com a música, sobretudo em eventos que incluem execução, guarda correlação positiva com a melhoria na aprendizagem de certas dimensões de conteúdos escolares. Isso ficou evidenciado na escola de Bolton, local original do projeto conduzido pelo maestro Perret. Uma das coisas que certamente a exposição das crianças á música causou foi "conscientização" fonética. Tal conscientização é um pré-requisito fundamental para a aprendizagem da leitura. E em Bolton, as crianças que participaram das atividades do quinteto de sopro apresentaram aprendizagem de leitura muito superior às de outros alunos na mesma escola ou no estado.

Depois de construir pontes entre o pensamento de Aristóteles, o programa investigativo no campo da neurociência e a experiência de Bolton, Wood considera algumas direções importantes em termos dos significado da educação musical:

  1. O que se aprende em música? Não é propriamente conteúdo no sentido usual. É sobretudo capacidade de mapear certas capacidades no cérebro.
  2. Como outras áreas de competência intelectual são afetadas pela aprendizagem musical? A resposta é curta:"pelo encorajamento da apreciação de formas separadas de conteúdo".
  3. A música deve ser ensinada como uma habilidade de méritos próprio, ou simplesmente deve ser usada como método para ensinar outros conteúdos? A resposta aqui também é curta: usar música como veículo para outros conteúdos empobrece a aprendizagem e revela desconhecimento do papel mais nobre dessa arte em termos cognitivos.
As questões aqui elencadas, assim como suas respostas não são uma solução definitiva. Elas são muito mais teses que vale a pena investigar no campo da ciência.

A posição de Wood com relação à musica em geral e com relação à experiência de Bolton é a de que há ainda um longo caminho a ser percorrido. Ele, porém, tem uma certeza, a exposição das crianças á música, com oportunidades de experimentar produções de boa qualidade, trazem ganhos significativos em termos de aprendizagens em todas as áreas do currículo. O que precisamos conhecer é como e por que isso acontece.

Sinto que ainda não aprendi a produzir um bom texto nessa aventura de analisar de modo detalhado uma obra. Mas acho que vou aprender fazendo. No próximo post vou apresentar o primeiro capítulo do livro, Fanfare, um pequeno texto que mostra como tudo começou.

Monday, January 19, 2009